Estava pensando sobre quais presentes devo dar para meu neto. Não especificamente neste seu primeiro Natal, porque tendo ele 17 dias de vida o presente será simbólico, e também porque a vovó já providenciou um presente que ele vai poder usar ainda no ano que vem. Mas em geral: que presentes as crianças gostam de receber, que presentes os adultos gostam de dar, e como conciliar as duas coisas para chegar a um resultado que agrade a quem recebe e a quem dá o presente.
Que presentes mais gostei de receber, de quais ainda me lembro?
Flashback (entra aquela espiral de túnel do tempo)...
Entre Natais e aniversários (naquele tempo a publicidade ainda não tinha inventado o Dia da Criança), ganhei muitos brinquedos, muitas roupas e alguns presentes fora dessas duas categorias principais.
Das roupas nenhuma criança (pelo menos os meninos) se lembra; pelo contrário, a cara de qualquer criança ao abrir um presente e descobrir que é uma roupa é sempre de decepção (os pais, por outro lado, adoram).
Os brinquedos, elas adoram - enquanto duram, ou enquanto dura a novidade. Depois, quando não quebram, ficam esquecidos, trocados por outros mais novos. Um de que me lembro com saudade, e que infelizmente não resistiu a tantos anos nas mãos de três irmãos, foi o Mec-Bras.
Era um brinquedo de montar, composto de tiras e chapas de metal com furos, parafusos, porcas, roldanas etc. Tinha vários tamanhos de caixas, com número crescente de peças (os maiores tinham até um motor elétrico), e vinha com um catálogo com vários projetos para montar. A sacanagem (com as crianças e com os pais) era que o catálogo mostrava desde projetos simples até outros que só podiam ser montados com as caixas maiores. Meu sonho era um dia ter a caixa número 6... Achei estas fotos em um site de leilão na Web, para quem não conhece entender melhor e quem conhece recordar...
Acho que, além do fato de ser possível montar vários brinquedos usando os modelos do catálogo ou inventando novos, o motivo de o Mec-Bras ser lembrado é que era praticamente indestrutível, algo inimaginável nos dias de hoje. E provavelmente seria retirado do mercado hoje em dia, pelo perigo representado por peças de metal e parafusos, porcas e arruelas tão pequenos. Bem, eu pelo menos nunca engoli nem aspirei nenhuma peça...
Outros brinquedos lembrados e muito usados foram os carrinhos de pedal, os velocípedes e as bicicletas. Dos carrinhos, tive um Jipe e um Packard - esse, durou até ser reduzido ao chassi... Também eram de metal, e por muito tempo brincamos com a carroceria de lata rasgada e com cantos vivos: acho que os anjos da guarda daquele tempo eram mais competentes que os de hoje, nunca nos cortamos...
Havia os jogos de tabuleiro, dos quais alguns até hoje existem no mercado. Banco Imobiliário, o jogo interminável - será que as crianças de hoje, com seu "attention span" de poucos minutos ditado pela TV, ainda jogam? Xadrez Chinês, Tômbola, Dominó, Damas, Loto...
Mas o primeiro presente de que me recordo é também uma das primeiras coisas de que me lembro com clareza. Um dia, perto do Natal (eu tinha 5 ou 6 anos), minha mãe atende a campainha e eu vejo um homem entregar duas caixas: "Mãe, eu li, está escrito Tesouro da Juventude!" E minha mãe desconversando, "não, é só a caixa, isso é outra coisa"... Mas no dia de Natal, a coleção de lombada azul, novinha, 18 volumes!
É difícil explicar o que era o Tesouro da Juventude. A analogia mais próxima que posso fazer é que ele era a Internet da época. Essa coleção falava de tudo, de ciência a poesia, de geografia a história, de uma forma fácil de ler e bem organizada. Em sua própria descrição, "Reunião de conhecimentos essenciais, oferecidos em forma adequada ao proveito e entretenimento das crianças e adolescentes". Cada volume da coleção apresentava assuntos variados, divididos nas seguintes seções: A Terra, A Nossa Vida, Animais e Plantas, O Novo Mundo, O Velho Mundo, Belas-Artes, Os Livros Famosos, Poesias, Contos, As Belas Ações, Coisas que Devemos Saber, Os Porquês, Coisas que Podemos Fazer, Lições Atraentes e Homens e Mulheres Célebres. E certamente foi o presente de Natal que eu mais usei, e tenho até hoje. Ganhei muitas outras coleções de meu pai, não só em ocasiões especiais, mas sempre que aparecia uma que ele achasse interessante. Os vendedores de livros, essa categoria hoje em extinção e que era o equivalente em chatice na época aos telemarqueteiros de hoje, deviam adorar meu pai... Obras Completas de Monteiro Lobato (infantis e adultas), de Júlio Verne, de Malba Tahan; Enciclopédias Barsa, Mérito, Delta-Larousse; História do Brasil de Rocha Pombo, de Pedro Calmon; História Universal de Cesare Cantu (32 volumes!); e muitas outras.
Outros presentes remetiam às ciências: laboratório de química, microscópio...
(Túnel do tempo girando ao contrário...)
De volta do passado, já decidi ao menos uma coisa: que vou fazer de tudo para despertar no Guilherme o gosto pela leitura e a curiosidade em descobrir ele próprio as respostas para suas perguntas. Mas minhas lembranças me confirmaram que o maior presente que ganhei não foram os brinquedos, as bicicletas, os jogos, os livros. Por trás disso estava o cuidado com que meus pais, dentro de suas limitações financeiras, escolhiam presentes que me dessem algo além da simples recreação, que me desenvolvessem, que me encaminhassem. Procurarei seguir seu exemplo ao escolher presentes para meus netos.
E procurarei dar a meus netos o maior presente que ganhei de meus pais e que espero já ter passado a meus filhos: o seu exemplo de uma vida honesta, digna, sem atalhos duvidosos; o modo como tratavam qualquer pessoa, mesmo as mais humildes, com o mesmo respeito; a forma como nos educaram, rígida mas sempre justa. Enfim, embora eu provavelmente não seja um bom exemplo de pessoa religiosa, tentarei mostrar a eles o verdadeiro significado do Natal e o que o aniversariante que comemoramos nos ensinou e fez por todos nós!
"Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros."
(João 13:34-35)