segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

O primeiro carro a gente nunca esquece

Como diz o comercial, brasileiro é apaixonado por carro, e não sou exceção: acompanho a Fórmula 1 desde o tempo de Jim Clark; quando estive na Alemanha pela primeira vez, viajei não sei quantas horas para assistir meu primeiro GP, no velho circuito de Nürburgring (onde só consegui ver os carros passando na reta, por alguns segundos a cada volta); e não perdi nenhum dos primeiros GPs do Brasil, até a Globo levar o GP para o Rio - na volta, o preço dos ingressos já era proibitivo...
Também ia sempre ao Salão do Automóvel, desde os primeiros, com meu pai, ainda num pavilhão do parque do Ibirapuera, que depois foi demolido. Cheguei a ver de perto o presidente João Goulart examinando um Aero-Willys pintado de ouro - o primeiro presidente que vi de perto...

E meu primeiro carro não foi o Fusquinha padrão da época - foi um Triumph Spitfire! A história foi assim: eu já trabalhava há dois anos e tinha 21 de idade, mas ainda não tinha carteira de motorista. Um dia resolvi dar uma volta na Barão de Limeira, a famosa boca das lojas de automóveis. De repente, lá estava ele: conversível, vermelho, lindo! Entrei, perguntei o preço, nem testei o carro, não regateei, disse: - Vou levar! O vendedor deve ter achado que eu era louco... Fechei o negócio na hora, nem lembro como paguei, mas já saí da loja dirigindo o carro. Detalhe: além de não ter carta, eu nunca havia dirigido, exceto por alguns minutos a Kombi de meu pai na Praia Grande... Consegui chegar em casa, aos trancos e barrancos, literalmente, porque o carro morria a toda hora e achei que era por eu não saber dirigir. Mas não era, ele tinha um problema de carburação. Primeira ida à oficina, problema resolvido com um ajuste.
O carro tinha história: foi importado por um Matarazzo, depois pertenceu a um Sodré... Tinha uma documentação de importação pendente, todo ano era preciso carimbá-la na Polícia Federal, que informava que o processo continuava em andamento - e continuou por todo o tempo que fui dono do carro...
Era '65, Mk II, mas tinha frente de '67 Mk III - um dia, algum tempo depois, na oficina, uma pessoa que estava lá o reconheceu, e me contou que um dos donos anteriores tinha acabado com a frente dele. A oficina era na rua Melo Alves, de um "japonês" muito sério, o Hélio, que me via com muita freqüência... Numa viagem aos EUA, comprei um manual do carro, e passei a fazer o que podia em casa (fiquei especialista em desmontar os carburadores, que eram muito simples e iguais aos de motos da época, e em limpar e ajustar platinados e ajustar o tempo do motor no ouvido). Também comprei lanternas traseiras: muito charmosas, elas eram presas por um só parafuso na parte superior e encaixadas na inferior: qualquer pancadinha as quebrava no encaixe do parafuso.
Mas, gastos com oficina à parte, o carrinho era lindo! Conversível, além da capota de lona tinha uma rígida de aço, e ainda o tonneau, aquela cobertura protetora colocada na altura das portas: tinha um zipper no meio, dava para abrir só o lado do motorista... E as rodas, de raios e com porca de cubo rápido! Em vez de chave de roda, era preciso usar uma marreta e um pedaço de madeira para soltar a porca, e do lado direito elas eram de rosca esquerda, para não se soltarem no caminho. De vez em quando era preciso dar um aperto nos raios, e só havia uma pessoa que fazia isso em São Paulo... E o capô, que abria inteiro e para a frente, deixando exposto o motor e a suspensão dianteira!
O Triumph era emocionante: não pelo seu desempenho, pois seu motor 1.200 não era tão esportivo assim, apesar do pouco peso do carro, mas pelos sustos que dava de vez em quando. Nos primeiros meses, quando eu ainda circulava sem carta, fui dar uma volta na Marginal do Pinheiros, na direção do Morumbi (era uma avenida ainda em construção e deserta), passei em uma poça d'água, o carro aquaplanou e foi parar de lado em um monte de barro. Porta amassada e mais uma volta na oficina... Outra vez, já casado e com minha mulher grávida do primeiro filho, indo para Guararema pela Dutra, de repente girei o volante e o carro continuou reto. Só deu tempo de avisar para ela se segurar, tirar o pé do acelerador e, felizmente, lembrar de não pisar no freio com força para o carro não se desviar - e, é claro, rezar... Acabamos na vala que, felizmente, existia naquele trecho do acostamento... O motivo: a barra do volante tinha uma articulação que era simplesmente uma arruela de borracha parafusada, e os parafusos tinham se soltado...
Um dia, um vizinho toca a campainha e pergunta se eu gostaria de alugar o carro para um comercial de TV. Coisa simples, explicou: tudo o que eu precisava fazer era levar o carro à noite até o local e passar umas horas por lá enquanto eles filmavam o comercial, e receberia um cachê. Aceitei, e na noite marcada fui ao local; a casa da Rua Colômbia, esquina com Groenlândia, que pertenceu a Horácio Lafer e depois foi a Casa de Manchete por muitos anos. Cheguei na hora marcada, e esperei, esperei, esperei... Havia muitos outros carros exóticos e seus donos idem por lá: Corvette, Thunderbird etc. O pessoal da filmagem andava de um lado para outro, arrumava refletores, o iluminador media a luz com seu fotômetro, o pessoal desarrumava os refletores... O dono do Corvette já chegou "chumbado" e quando o iluminador passava com o fotômetro, dizia: - Lá vem o cara da bússola de novo... Bem, para encurtar a história, quando saímos de lá o dia já amanhecia, e disseram: então, amanhã à mesma hora no Embu. Como? Não era só hoje? Não, claro que não, você precisa estar amanhã no Embu senão não recebe o cachê... Noite seguinte, a mesma coisa: refletores, "bússola", dono do Corvette chumbado etc. Começaram a filmar pouco antes que clareasse, e de repente as luzes da praça se apagaram. E agora? Descobrem que quem apagava as luzes era o guarda-noturno, mandam alguém correr atrás dele para que as acenda de novo... Finalmente, a filmagem termina. Nem sei como fui trabalhar nesses dois dias sem dormir. Recebi meu cachê uns dias depois. Quando o comercial aparece na TV, tento localizar meu carro: coitado, aparece por uns 2 segundos num plano geral com os outros, e depois só o seu capô em outra cena... Ah, o comercial era o lançamento do cigarro St. Moritz, e o diretor (achei que já o tinha visto em alguma foto de revista e perguntei), ninguém menos que Luiz Sérgio Person, um dos grandes diretores do cinema nacional, que infelizmente morreu poucos anos depois num acidente. E pai de Marina e Domingas Person...
Depois que meu filho nasceu e tirei um Corcel zero Km no Consórcio Nacional Ford (ah, os anos 70), o Triumph ficou sem espaço. Meu sobradinho não tinha garagem, nem mesmo um lugar coberto para o carro. Com dor no coração, eu o vendi, por meio de um amigo de meu pai que negociava carros, para um colecionador no Paraná (ou ao menos foi isso que o tal negociante me disse). Depois fiquei sabendo que o motor fundiu no caminho e o carro fez o resto da viagem em cima de um caminhão. Não deve ter gostado do novo dono...
Não achei nenhuma foto boa do Triumph, só esta, parcial:

Até hoje tenho pena de tê-lo vendido. Mas se um dia eu estiver passando de novo na Barão de Limeira e vir um Puma ou um Karmann-Ghia em bom estado, quem sabe...

2 comentários:

Anônimo disse...

Geraldo, também sou avô, mas já ha um ano e pouco!Gostei da crônica dos carros!São todos do nossso tempo! Agora presidente eu vi primeiro: O Getlulio, e seu ANJO NEGRO Gregório, numa visita que fizeram à Água Branca numa feira de PECUARIA.
Cheguei aqui atraves da Sonia Mascaro,e espero uma visitasua no VARAL.
Abraços e boa sorte como blogueiro!

Geraldo disse...

Eduardo,

Bem-vindo, espero que possamos trocar figurinhas de avô para avô!
Quanto aos presidentes, não posso competir com seu Getúlio (ainda mais com o Gregório do lado), mas vi o Médici, na inauguração da praça Roosevelt aqui em SP...