quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

Jogos do vovô - pontos de vista

Sempre gostei de jogos que exigem raciocínio: puzzles, jogos de lógica etc, e espero poder passar esse gosto para o netinho.
Das muitas revistas de jogo existentes, minha favorita é a Games americana, que conheci em minhas viagens a trabalho e que me ajudou a aproveitar de forma agradável o tempo passado em muitas noites em hotéis. E foi dessa revista que tirei a idéia para criar este post. As fotos são de objetos comuns aqui em casa, só que tiradas em ângulos e posições incomuns. Adivinhe quais são esses objetos: um ponto para quem acertar primeiro cada objeto, vamos ver quem ganha...
Atenção: ao clicar em cada foto, você verá as respostas...









Colocarei as respostas em breve...

quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

Baú do vovô - São Paulo

Hoje abro o baú para mostrar lembranças do Quarto Centenário de São Paulo: fotos de uma revista que retrata o parque do Ibirapuera recém-aberto, ainda com coisas a terminar, e de um calendário do mesmo ano. É uma pequena homenagem a minha cidade, que hoje comemora 453 anos de fundação.







Sou paulistano de segunda geração. Minha mãe, filha de português e austríaca, nasceu no Brás quando esse bairro era uma cidade italiana dentro da cidade - típica mistura paulistana! Meu neto, portanto, é paulistano de quarta geração. É difícil para quem não é de São Paulo entender como é possível a alguém amar esta cidade. Mas para quem vem viver aqui com a mente aberta, sem preconceitos e sem a firme intenção de voltar o mais rápido possível para seu lugar de origem, a cidade vai revelando aos poucos seus encantos, seus segredos, suas belezas, suas mordomias. As pessoas vão aprendendo a quantidade de serviços que a cidade oferece, a variedade de seus restaurantes, vão descobrindo que é possível a qualquer pessoa achar dentro de São Paulo a sua própria cidade, adaptada a seus gostos, hobbies, manias. Pouquíssimas cidades do mundo são tão auto-suficientes, tão completas no que oferecem a seus moradores.
A São Paulo de hoje é muito diferente da de minha infância, é claro. Pior? O primeiro impulso é dizer que sim: lembrar das ruas tranqüilas, dos horizontes amplos, dos comerciantes que a gente conhecia pelo nome. Mas pensando bem vemos que nos últimos anos muita coisa tem mudado para melhor. Hoje temos uma vida cultural muito mais intensa, grandes musicais, uma Sinfônica de nível mundial. Os pássaros têm voltado à cidade com o plantio de árvores que os atraem. O rio Tietê está sendo mais bem-cuidado, com um projeto de despoluição que precisa ser mantido por décadas até chegar aos resultados sonhados por todos. O crescimento desordenado infelizmente continua, mas isso só vai mudar quando São Paulo deixar de ser a terra dos sonhos dos desesperançados deste país (e dos países vizinhos). Essa visão de São Paulo como a última esperança é algo de que devemos nos orgulhar e ao mesmo tempo nos entristecer. Ou seja, é mais um dos contrastes que formam o retrato desta minha cidade...
Como será a São Paulo de meu neto? Muito diferente, com certeza. Muito melhor, é o que espero. Que ele possa navegar no Tietê, caminhar à noite pelas ruas sem medo, respirar um ar tão puro quanto o do campo, ver pássaros que hoje ainda passam longe da cidade. E que possa continuar a ter todas as vantagens de viver numa das maiores e mais dinâmicas cidades do mundo. Ah, e comer a melhor pizza do planeta! Parabéns, São Paulo!

terça-feira, 23 de janeiro de 2007

Primeira conversa

Nas primeiras semanas, o vovô olhava para o neto, conversava, brincava, babava, mas ele, coitadinho, não entendia nada. Estava muito ocupado em entender como mamar, como digerir o que mamou, como se livrar das sobras...
Mas agora, com seis semanas, ele já começa a entender alguma coisa do mundo que o cerca. A mamãe, claro, foi a primeira a ser reconhecida e recompensada com olhares e sorrisos. Depois veio o papai. E o vovô, que domingo foi visitá-lo, ao colocar o Guilherme no berço e conversar com ele teve a alegria de ouvi-lo responder, com aqueles "ghhhs" borbulhantes de quem está aprendendo a produzir sons! Que gostoso! Foi a primeira de muitas conversas que teremos pela vida...

quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

O baú do vovô - selos


Se, como diz a antiga marchinha, o confete é um "pedacinho colorido de saudade", o que são os selos? Além de saudade, são pedacinhos coloridos de história, geografia...
Nesse nosso tempo da comunicação instantânea, onde as pessoas falam ao celular até no banheiro e recebem seus e-mails andando (ou pior, dirigindo), a correspondência tradicional perdeu muito da sua importância. Mas não muito tempo atrás, era quase a única forma de comunicação a grandes distâncias. E os selos eram, acima de sua função de pagamento das tarifas postais, vitrines de seus países.


Nunca fui um colecionador de selos "sério". Não sabia do valor dos selos, nem distinguir o que seria um selo de boa qualidade filatélica. Colecionava, ou melhor, juntava selos pela curiosidade que me despertavam, por seu colorido, pelas imagens de animais, aviões, figuras históricas, o que fosse...
Tinha uma vizinha japonesa que sempre me chamava no quintal e me jogava de sua janela belos selos do Japão, ainda colados ao finíssimo papel do envelope. E os selos de outros países, minha mãe comprava no centro em envelopes de papel-manteiga, sempre com a legenda: "Todos diferentes e autênticos"...


Olhando hoje esses selos, vejo países que já não existem, ditadores e reis de quem ninguém sente saudade, tecnologia avançada que hoje é peça de museu...



segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

O primeiro carro a gente nunca esquece

Como diz o comercial, brasileiro é apaixonado por carro, e não sou exceção: acompanho a Fórmula 1 desde o tempo de Jim Clark; quando estive na Alemanha pela primeira vez, viajei não sei quantas horas para assistir meu primeiro GP, no velho circuito de Nürburgring (onde só consegui ver os carros passando na reta, por alguns segundos a cada volta); e não perdi nenhum dos primeiros GPs do Brasil, até a Globo levar o GP para o Rio - na volta, o preço dos ingressos já era proibitivo...
Também ia sempre ao Salão do Automóvel, desde os primeiros, com meu pai, ainda num pavilhão do parque do Ibirapuera, que depois foi demolido. Cheguei a ver de perto o presidente João Goulart examinando um Aero-Willys pintado de ouro - o primeiro presidente que vi de perto...

E meu primeiro carro não foi o Fusquinha padrão da época - foi um Triumph Spitfire! A história foi assim: eu já trabalhava há dois anos e tinha 21 de idade, mas ainda não tinha carteira de motorista. Um dia resolvi dar uma volta na Barão de Limeira, a famosa boca das lojas de automóveis. De repente, lá estava ele: conversível, vermelho, lindo! Entrei, perguntei o preço, nem testei o carro, não regateei, disse: - Vou levar! O vendedor deve ter achado que eu era louco... Fechei o negócio na hora, nem lembro como paguei, mas já saí da loja dirigindo o carro. Detalhe: além de não ter carta, eu nunca havia dirigido, exceto por alguns minutos a Kombi de meu pai na Praia Grande... Consegui chegar em casa, aos trancos e barrancos, literalmente, porque o carro morria a toda hora e achei que era por eu não saber dirigir. Mas não era, ele tinha um problema de carburação. Primeira ida à oficina, problema resolvido com um ajuste.
O carro tinha história: foi importado por um Matarazzo, depois pertenceu a um Sodré... Tinha uma documentação de importação pendente, todo ano era preciso carimbá-la na Polícia Federal, que informava que o processo continuava em andamento - e continuou por todo o tempo que fui dono do carro...
Era '65, Mk II, mas tinha frente de '67 Mk III - um dia, algum tempo depois, na oficina, uma pessoa que estava lá o reconheceu, e me contou que um dos donos anteriores tinha acabado com a frente dele. A oficina era na rua Melo Alves, de um "japonês" muito sério, o Hélio, que me via com muita freqüência... Numa viagem aos EUA, comprei um manual do carro, e passei a fazer o que podia em casa (fiquei especialista em desmontar os carburadores, que eram muito simples e iguais aos de motos da época, e em limpar e ajustar platinados e ajustar o tempo do motor no ouvido). Também comprei lanternas traseiras: muito charmosas, elas eram presas por um só parafuso na parte superior e encaixadas na inferior: qualquer pancadinha as quebrava no encaixe do parafuso.
Mas, gastos com oficina à parte, o carrinho era lindo! Conversível, além da capota de lona tinha uma rígida de aço, e ainda o tonneau, aquela cobertura protetora colocada na altura das portas: tinha um zipper no meio, dava para abrir só o lado do motorista... E as rodas, de raios e com porca de cubo rápido! Em vez de chave de roda, era preciso usar uma marreta e um pedaço de madeira para soltar a porca, e do lado direito elas eram de rosca esquerda, para não se soltarem no caminho. De vez em quando era preciso dar um aperto nos raios, e só havia uma pessoa que fazia isso em São Paulo... E o capô, que abria inteiro e para a frente, deixando exposto o motor e a suspensão dianteira!
O Triumph era emocionante: não pelo seu desempenho, pois seu motor 1.200 não era tão esportivo assim, apesar do pouco peso do carro, mas pelos sustos que dava de vez em quando. Nos primeiros meses, quando eu ainda circulava sem carta, fui dar uma volta na Marginal do Pinheiros, na direção do Morumbi (era uma avenida ainda em construção e deserta), passei em uma poça d'água, o carro aquaplanou e foi parar de lado em um monte de barro. Porta amassada e mais uma volta na oficina... Outra vez, já casado e com minha mulher grávida do primeiro filho, indo para Guararema pela Dutra, de repente girei o volante e o carro continuou reto. Só deu tempo de avisar para ela se segurar, tirar o pé do acelerador e, felizmente, lembrar de não pisar no freio com força para o carro não se desviar - e, é claro, rezar... Acabamos na vala que, felizmente, existia naquele trecho do acostamento... O motivo: a barra do volante tinha uma articulação que era simplesmente uma arruela de borracha parafusada, e os parafusos tinham se soltado...
Um dia, um vizinho toca a campainha e pergunta se eu gostaria de alugar o carro para um comercial de TV. Coisa simples, explicou: tudo o que eu precisava fazer era levar o carro à noite até o local e passar umas horas por lá enquanto eles filmavam o comercial, e receberia um cachê. Aceitei, e na noite marcada fui ao local; a casa da Rua Colômbia, esquina com Groenlândia, que pertenceu a Horácio Lafer e depois foi a Casa de Manchete por muitos anos. Cheguei na hora marcada, e esperei, esperei, esperei... Havia muitos outros carros exóticos e seus donos idem por lá: Corvette, Thunderbird etc. O pessoal da filmagem andava de um lado para outro, arrumava refletores, o iluminador media a luz com seu fotômetro, o pessoal desarrumava os refletores... O dono do Corvette já chegou "chumbado" e quando o iluminador passava com o fotômetro, dizia: - Lá vem o cara da bússola de novo... Bem, para encurtar a história, quando saímos de lá o dia já amanhecia, e disseram: então, amanhã à mesma hora no Embu. Como? Não era só hoje? Não, claro que não, você precisa estar amanhã no Embu senão não recebe o cachê... Noite seguinte, a mesma coisa: refletores, "bússola", dono do Corvette chumbado etc. Começaram a filmar pouco antes que clareasse, e de repente as luzes da praça se apagaram. E agora? Descobrem que quem apagava as luzes era o guarda-noturno, mandam alguém correr atrás dele para que as acenda de novo... Finalmente, a filmagem termina. Nem sei como fui trabalhar nesses dois dias sem dormir. Recebi meu cachê uns dias depois. Quando o comercial aparece na TV, tento localizar meu carro: coitado, aparece por uns 2 segundos num plano geral com os outros, e depois só o seu capô em outra cena... Ah, o comercial era o lançamento do cigarro St. Moritz, e o diretor (achei que já o tinha visto em alguma foto de revista e perguntei), ninguém menos que Luiz Sérgio Person, um dos grandes diretores do cinema nacional, que infelizmente morreu poucos anos depois num acidente. E pai de Marina e Domingas Person...
Depois que meu filho nasceu e tirei um Corcel zero Km no Consórcio Nacional Ford (ah, os anos 70), o Triumph ficou sem espaço. Meu sobradinho não tinha garagem, nem mesmo um lugar coberto para o carro. Com dor no coração, eu o vendi, por meio de um amigo de meu pai que negociava carros, para um colecionador no Paraná (ou ao menos foi isso que o tal negociante me disse). Depois fiquei sabendo que o motor fundiu no caminho e o carro fez o resto da viagem em cima de um caminhão. Não deve ter gostado do novo dono...
Não achei nenhuma foto boa do Triumph, só esta, parcial:

Até hoje tenho pena de tê-lo vendido. Mas se um dia eu estiver passando de novo na Barão de Limeira e vir um Puma ou um Karmann-Ghia em bom estado, quem sabe...

quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

O baú do vovô - rádio a válvula

Esse rádio ficou guardado por muito tempo. Recentemente resolvi expô-lo no escritório, e para minha alegria, depois de algumas pancadinhas carinhosas, ele funcionou como novo!
Faltam os botões, que tenho quase certeza que estão em algum lugar no fundo do baú, e o escudo da Philips - esse eu não sei se vou achar...

Algumas características interessantes: esse rádio é "rabo quente", o que significa que, para economizar o transformador de tensão para os filamentos das válvulas, elas são ligadas em série, como lâmpadas de árvore de Natal. Se uma queima, todas se apagam...

Outra medida de economia é que, para não complicar a disposição dos componentes, o mostrador é "ao contrário", ou seja, as freqüências diminuem da esquerda para a direita, como pode ser visto na foto do painel.

A história para o netinho é que foi o próprio vovô que montou esse rádio, quando estudava Eletrônica no Liceu Eduardo Prado. O ano? Digamos que quando novo ele tocou muitas músicas dos Beatles em primeira audição...

segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

Um mês!

Hoje faz um mês que sou avô, como o tempo voou! Parabéns ao Guilherme!

sábado, 6 de janeiro de 2007

Batizado

Hoje o Guilherme foi batizado, na pequena capela da ordem de Malta na igreja de Nossa Senhora do Brasil.



A família toda compareceu e lotou esse lugar tão bonito para um evento tão importante. Vou ficar devendo a foto do batismo propriamente dito por enquanto, porque na hora tinha tanta gente tirando fotos que acabei só tirando uma, e saiu tremida (emoção?). Mas alguém registrou em minha máquina pelo menos a alegria dos pais e avós:



Depois nos reunimos no salão do prédio do papai e mamãe para comemorarmos. Os padrinhos Victor e Ju eram só sorrisos, e não deram chance para mais ninguém. Também, precisavam aproveitar, já que vão voltar para NY logo em seguida. Nem na hora da foto com os pais e os outros tios eles largaram o Gui...



E a pessoa mais importante do dia se comportou muito bem, todo elegante em seu traje especial para esse dia, presente também dos padrinhos:



Guilherme, Deus te abençoe!

quinta-feira, 4 de janeiro de 2007

O baú do vovô - régua de cálculo

Quando estudei Eletrônica, computadores pessoais eram coisa que nem a ficção científica imaginava ainda, e as calculadoras eram mecânicas e pesadas. O instrumento de cálculo usado por engenheiros e tecnólogos (se bem que essa palavra também não existia) era a régua de cálculo.
As réguas de cálculo são computadores analógicos baseados em logarítmos. Uma explicação de seu funcionamento seria muito longa para caber aqui, mas indico este site (em inglês) para quem quiser saber mais.
Fica como exercício dizer qual a multiplicação que está sendo feita na segunda foto e qual o seu resultado...

terça-feira, 2 de janeiro de 2007

De volta das festas...

Esta matéria foi publicada no Estadão de hoje. Meus comentários estão no final.

"Prevendo a morte, soldado preparou filho para a vida sem pai

Ele se desenhou com asas de anjo. Deixou um conjunto de suas plaquetas de identificação militar no criado-mudo em meu apartamento em Manhattan. Comprou um pequeno abrigo azul para nosso bebê usar em casa depois de chegar do hospital. Então começou a escrever o que se tornaria um diário de 200 páginas dedicado a nosso filho, para o caso de ele não voltar do deserto iraquiano.

Antes de beijar minha barriga de grávida e dizer adeus, meu noivo, o primeiro-sargento do Exército americano Charles Monroe King, preparou-se durante meses para o começo da vida que criara e o fim da sua. Ele embarcou num avião em dezembro de 2005 com duas missões - liderar seus jovens soldados no combate e preparar nosso garoto para uma vida sem o pai.

“Querido filho”, escreveu Charles na última página do diário, “espero que este livro lhe seja útil. Por favor, perdoe-me pela letra e pela gramática ruins. Tentei terminar o livro antes de ser enviado ao Iraque. Tem de ser algo especial para você. Venho escrevendo nos EUA, Kuwait e Iraque.”

Agora, o diário terá de falar por Charles. Ele foi morto em 14 de outubro, quando uma bomba explodiu perto de seu veículo blindado em Bagdá. Charles, de 48 anos, pertencia ao 1º Batalhão do 67.º Regimento Blindado da 4.ª Divisão de Infantaria, com base em Fort Hood, Texas. Faltava um mês para ele concluir o período no Iraque.

No papel, Charles se revelou como raramente fazia em pessoa. Pensou muito no que dizer a um filho que não teria memórias do pai. Jordan nunca ouvirá a cadência de sua voz, mas conhecerá a sabedoria de suas palavras. “Nunca tenha vergonha de chorar. Nenhum homem é tão bom a ponto de não precisar se ajoelhar e mostrar humildade perante Deus. Siga seu coração e busque a força de uma mulher.”

Charles tentou prever perguntas que surgiriam nos anos seguintes. O time favorito? “Sou fanático pelo Cleveland Browns.” A refeição predileta? “Frango, frito ou assado, batata-doce, couve e broa de milho.” O primeiro beijo? “Na oitava série.” Ele escreveu sobre a fé e o fracasso, a inquietação e a esperança. Deu dicas de como se comportar num encontro e onde esconder o dinheiro em viagens de férias. Os dias chuvosos têm seus prazeres, escreveu: “De vez em quanto, você tem sorte e vê um arco-íris.”

Charles me enviou o livro pelo correio em julho, depois que um de seus soldados foi morto e ele retirou seu corpo de um tanque. O diário estava incompleto, mas o horror da morte do jovem o abalou tanto que ele quis enviá-lo mesmo tendo mais coisas a dizer. Charles o concluiu quando veio para casa durante uma licença de duas semanas, em agosto, para conhecer Jordan, então com 5 meses. Ele estava tão apaixonado pelo filho que mal dormia. Preferia manter vigília ao lado do bebê. Embora, por ser negro, ele às vezes sentisse a discriminação, não demonstrou rancor. “Não é justo julgar alguém pela cor da pele, pelo lugar onde cresceu ou por suas crenças religiosas”, escreveu. “Admire as pessoas pelo que elas são e aprenda com suas diferenças.”

Charles tinha seus defeitos, é claro: podia ser mal-humorado, facilmente magoado e exasperadoramente calmo, especialmente durante uma discussão. E às vezes eu sentia que ele dava mais importância ao Exército que à família. Ele se alistara em 1987. Tinha outras opções - era um artista talentoso -, mas se sentia realizado como soldado, algo que eu respeitava, mas nunca entendi.

Charles conhecia os perigos da guerra. Nos meses anteriores a sua partida e nos dias em que voltou de licença, ele falava com freqüência sobre o que poderia acontecer. No diário, escrevia sobre a perda de colegas. Ainda assim, quando olhou para mim um dia e perguntou: “Você não acredita que voltarei, não é?”, não consegui responder. Nunca dissemos em voz alta que fora por causa do medo de que ele não voltasse que decidíramos ter um filho antes de planejar o casamento, para não correr o risco de nunca ter a chance.

Mas Charles perdeu o nascimento de Jordan, pois se recusou a tirar licença e sair do Iraque antes que todos os seus soldados voltassem para casa - uma decisão que me magoou no início. E ele foi voluntário na missão em que morreu, disse um funcionário militar a sua irmã, e disseram soldados que trabalharam com ele. Embora não fosse obrigado a acompanhar o comboio de reabastecimento em Bagdá, ele concluiu que seus soldados precisavam da companhia de alguém experiente.

Quando Jordan tiver idade para perguntar como o pai morreu, falarei da coragem de Charles e de seu amor. E tentarei consolá-lo com as palavras do pai.

“Deus me abençoou mais do que eu poderia imaginar”, escreveu Charles no diário. “Não me arrependo. Servir nosso país é maravilhoso.” Na capa do diário, ele anexou uma mensagem para mim. “Para nós, a vida continuará em Jordan. Ele será uma extensão de nós e, espero, de tudo o que defendemos. Gostaria de vê-lo crescer e se tornar um homem, mas só Deus sabe o que o futuro encerra.”


Dana Canedy, jornalista do ‘New York Times’ ganhadora do Pulitzer, era noiva do soldado Charles King, morto em outubro"


Desculpem-me por fazer-nos voltar tão rápido à realidade depois das festas, mas esse artigo me tocou muito. Como pai e avô, procurei me colocar no lugar do sargento King. Mas, apesar da trágica beleza da herança que deixou para seu filho, não posso deixar de pensar que muito melhor presente seria ele estar vivo. "Servir nosso país é maravilhoso", escreveu ele. Os políticos adoram essas simplificações. Enquanto as pessoas não pararem para analisar a quem ou a que elas estão realmente servindo, muitos filhos continuarão crescendo sem pai devido a guerras, balas perdidas, acidentes de trânsito, falta de atendimento médico, doenças evitáveis, miséria...
Seria bom que todos refletissem sobre aquele refrão cantado ao fundo na canção de John Lennon. Sete palavras, e uma verdade tão simples, mas tão difícil de concretizar:

"War is over if you want it..."